O bom de manter uma coluna fixa num portal de notícias e variedades, como é o caso do Sagarana Notícias, é que se pode falar sobre qualquer temática com ampla liberdade, sem a opressora necessidade de se agrilhoar a textos monotemáticos.
Magma é uma coluna essencialmente livre. Desde que me propus escrevê-la, fiz um acordo comigo mesmo: escrever de modo fluido, sem temáticas predefinidas, sem cobranças excessivas - sim, porque cobro-me a mim mesmo exacerbadamente, como sempre faz questão de alertar meu amigo/conselheiro João Tavares - e com deleite no processo de escrita.
Um artigo de opinião mais formal pode dar lugar a um ensaio livre ou a uma despretensiosa crônica. Quem sabe até um conto pode surgir aqui em Magma. Uma resenha ou uma fábula também podem ser bem-vindas e sequer um poema deve ser descartado. Quase tudo é possível aqui. Ou não. Acostumado a me limitar, pode ser que me cerceie além do razoável. De todo modo, está claro para mim que a liberdade de escrita é o que mais me motiva com esta coluna, justamente por contrastar com as resenhas críticas, os artigos científicos, as dissertações e todas as suas metodizações que, por dever de ofício, tenho de elaborar nos diapasões acadêmicos.
Via de regra, quando escrevo para jornais, o que tenho feito desde os 16 anos de idade, sempre busco alguma inspiração, uma espécie de centelha para iniciar a escrita. Pode ser um fato (o genocídio ianomâmi), uma ideia (a relação entre o carnaval e a filosofia) ou mesmo um sentimento (vontade de viver num mundo que respeite a natureza em sua dimensão integral, sem especismo). Essa tríade move a mente, que se conecta às mãos, que comandam os dedos que, por sua vez, digitam os caracteres e tornam compartillháveis os pensamentos, as análises, as angústias, os desejos, as ideias e os ideais…
Hoje, uma manhã chuvosa de um domingo pré-carnavalesco em Itaguara, fui tomado por um desejo insólito: escrever sobre esta coluna e a liberdade aprazível que a mesma me concede ao me proporcionar o que não possuo no ambiente acadêmico.
Correlacionei essa liberdade com a poesia, o gênero literário que dispensa a coesão e o encadeamento lógico tão cobrados na prosa. Logo, pensei em Adélia Prado e sua importância para a poesia brasileira na segunda metade do século XX, sua conexão mágica com a mineiridade atemporal, sua sofisticação forjada na simplicidade, a centralidade da fé, da família e da mulher em seus versos. Sua cosmovisão peculiar, instigante, própria das grandes literatas. Não por acaso, Adélia é aclamadíssima pela crítica desde a sua primeira obra, Bagagem, publicada em 1975, quando a escritora de Divinópolis tinha 40 anos de idade.
Adélia é celebrada como das grandes poetas e pensadoras da contemporaneidade. Sobre ela, disse Carlos Drummond de Andrade, o poeta maior: “Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo”. As palavras drummondianas se deram no dia 9 de outubro de 1975, numa crônica no “Jornal do Brasil”.
Várias obras se seguiram a partir de Bagagem, quase todas foram traduzidas para diversas línguas e têm inspirado dissertações e teses acadêmicas, principalmente enfocadas na intertextualidade, no lugar do feminino, na religiosidade, na mineiridade.
Adélia não merece dividir espaço com minhas elucubrações metalinguísticas. Ela é grande demais para caber numa coluna compartilhada. Na próxima, dedicá-la-ei um texto exclusivo.
Agora, preciso aproveitar esse dia de chuva para reler Adélia Prado e me deliciar com seus poemas, antes que a modorra vespertina dominical me acometa. Recomendo a todos os mineiros e mineiras que façam o mesmo porque desconhecer Adélia, definitivamente, é quase um pecado. Imperdoável para nós, os mineiros.
PS: tentei não utilizar a mesóclise no penúltimo parágrafo, mas foi inevitável porque a outra construção linguística estava soando mal. Desde que um ex-presidente notabilizou-se pelo excessivo uso das mesóclises, tenho tido receio em utilizá-las em meus textos. Causa-me certo pedantismo. Mas pensei: antes o pedantismo da mesóclise à desfaçatez dos estratagemas congressuais.
* Alisson Diego Batista Moraes é advogado, bacharel em Filosofia (UFMG), mestre em Ciências Sociais pela PUC-Minas, doutorando em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e possui MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Foi prefeito de Itaguara entre 2009 e 2016. Atualmente, é secretário da Fazenda de Nova Lima-MG. E-mail para contato: alissondiegobatista@yahoo.com.br
Espetacular sua fala sobre a nossa Adélia.