Sim, estou falando dela, a rapadura! Bem cultural vinculado a agroindústria familiar, mantenedor de um ofício tradicional e de formas artesanais de produção, a rapadura é um produto de grande importância socioeconômica na cidade de Itaguara/MG. Muitas famílias estão realizando esta prática cultural por gerações, levando o nome da cidade e agraciando o nosso paladar com tamanha doçura.
O modo de fazer a rapadura em Itaguara já faz parte da história do município, que tem sua economia incrementadapela produção e venda há mais de cem anos. São diversosprodutores situados na sede e povoados rurais, produzindo toneladas de rapadura por mês, que são comercializadosem vários locais do estado de Minas Gerais.
A rapadura é fabricada de maneira artesanal em muitos engenhos ainda, seguindo todas as etapas provenientes da cana de açúcar e seu aproveitamento, do plantio, colheita e processamento. Após o processo de moenda, o bagaço da cana é utilizado nas fornalhas durante o processo de cozimento do caldo de cana, que resulta no produto final, feito de forma tradicional, sustentável e seguindo as “receitas” dos mais velhos.
Diferentes modos de vida estão relacionados ao cultivo da matéria-prima e fabricação da rapadura. A produção ocorre em ambiente familiar, na qual são perpetuados saberes ancestrais e, ao mesmo tempo, são criadas novas expressões e ressignificações. Este contexto revela a importância desse saber e sua prática para o município de Itaguara e região.
Assim como o modo de fazer rapadura em Itaguara, muitos outros destacados ofícios e modos de fazertradicional já se transformaram em patrimônios imateriaisdo Brasil, como é o caso do Modo Artesanal de Fazer o Queijo, as Tradições Doceiras da Região de Pelotas e Antiga Pelotas e Ofício das Baianas de Acarajé.
Um bem cultural quando registrado como patrimônio imaterial recebe ações para sua salvaguarda, ajudando na difusão, valorização e preservação dos saberes envolvidos.A inscrição deste bem é especificamente no Livro de Registro dos Saberes. Este livro reúne conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades.Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), os “saberes” são conhecimentos tradicionais associados a atividades desenvolvidas por atores sociais reconhecidos como grandes conhecedores de técnicas, ofícios e matérias-primas que identifiquem um grupo social ou uma localidade. Geralmente estão associados à produção de objetos e/ou prestação de serviços que podem ter sentidos práticos ou rituais. Trata-se da apreensão dos saberes e dos modos de fazer relacionados à cultura, memória e identidade de grupos sociais.
Deste modo, torna-se relevante para a comunidade itaguarense os meios de difusão das expressões culturais da rapadura e fortalecimento do mercado consumidor, agregando valor histórico, cultural e afetivo no produto. Com o reconhecimento e valorização dos detentores (ou seja, das pessoas que produzem a rapadura de forma artesanal) desta importante referência cultural e, principalmente, do modo de fazer tradicional e artesanal.
Assim, cada produtor tem “sua própria receita”, o que confere ao produto características próprias em função do tipo de solo, tipo de cana, adubação, e método de produção. Além disso, existem as rapaduras puras e as"saborizadas", com amendoim, beterraba, laranja da terra, limão, leite, mamão, coco e abóbora, entre outros sabores. A rapadura também é utilizada em substituição ao açúcar em diversas receitas na produção e quitandas, como bolos e biscoitos.
A importância que devemos atribuir a produção da rapadura para município de Itaguara é algo inquestionável!Mas gostaria de chamar atenção ao ofício e a transmissão a gerações futuras, em especial dos produtores artesanais.
Encontramos entre alguns produtores uso de técnicas eutensílios, como formas de madeira, colheres e fornos que pertenceram aos seus avós e encontram-se hoje até na terceira geração. Ademais, a forma oral de transmissão dos saberes envolvidos nesta prática cultural é pela prática,marcando um contexto de fundamental relevância para se pensar em medidas de salvaguarda.
Segundo Organização das Nações Unidas Para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), entende-se por salvaguarda as medidas que visam garantir a viabilidade do patrimônio cultural imaterial, tais como a identificação, a documentação, a investigação, a preservação, a proteção, a promoção, a valorização, a transmissão e revitalização deste patrimônio em seus diversos aspectos.
Vamos, então, preservar e valorizar cada vez mais o modo artesanal de fazer a rapadura de Itaguara e adoçar o paladar com o uso da rapadura artesanal em nossas diversas receitas?
Marina Vilaça é mestre em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, especialista em Patrimônio Cultural na Contemporaneidade, bacharel e licenciada em Geografia e Meio Ambiente. Analista ambiental, com experiência em projetos socioambientais, patrimônio cultural e avaliação de impacto. Atualmente é responsável técnica na empresa Culturas Ambientais Consultoria.culturasambientais@gmail.com / @culturasambientais
Escreve sobre Meio Ambiente e Patrimônio Cultural.
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