Ensina-me a viver: um livro e filme da década de 70 sobre o amor
- Dalmo Buzato
- há 1 dia
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(por Dalmo Buzato)

Todos nós estamos fadados ao esquecimento. Lidar com esse fato inevitável costuma ser um dilema duradouro para muitos de nós. Cada um faz o que pode: alguns se agarram à espiritualidade, outros à transcendência, alguns ainda à própria matéria. Mas estranho mesmo é ter que lidar com o esquecimento das coisas e das pessoas que compõem quem somos.
Harold and Maude — ou, na tradução para o português, Ensina-me a viver — é um livro e um filme do ano de 1971. O filme, dirigido por Hal Ashby, é baseado no texto escrito por Colin Higgins como sua dissertação de mestrado na Faculdade de Cinema da University of California em Los Angeles (UCLA). O filme conta ainda com a belíssima trilha sonora assinada por Yusuf / Cat Stevens.
Apesar do fracasso na época de seu lançamento, o filme e o livro ganharam ao longo das décadas um status cult. Em 2000, Harold and Maude foi eleito pelo American Film Institute como um dos 100 filmes mais engraçados de todos os tempos. No Brasil, a obra ganhou adaptação ao teatro: ficou anos em cartaz com os atores Glória Menezes e Arlindo Lopes, e em 2022 ganhou nova montagem, desta vez com Nívea Maria.
O sucesso se deve, em grande parte, à estranheza e à excentricidade da história. O jovem solitário Harold, obcecado pela morte, simula constantes suicídios para chamar a atenção de sua mãe — autoritária e narcisista —, até que conhece de maneira improvável Maude, uma senhora de 79 anos completamente livre e apaixonada pela vida. Desde que se encontraram em um velório, os dois já não sabiam viver sem a companhia um do outro, e somos convidados a acompanhar o florescer da paixão entre eles, além das aventuras e reflexões sobre a vida que desenvolvem em conjunto.
Por meio de uma trama bem-humorada, a história é repleta de reflexões filosóficas sobre a existência, a liberdade e os prazeres da vida. Impressiona como o roteiro consegue conciliar risadas e cenas profundas de maneira harmônica e única — algo extremamente difícil de se fazer. Mas penso, sobretudo, que esta é uma obra sobre o amor. Durante a trama (sem querer oferecer muitos spoilers), Harold decide se casar com Maude, após vários encontros agendados por sua mãe, que sempre terminam de maneira cômica, oferecendo um contrapeso às cenas e capítulos dos diálogos existenciais com Maude.
Não posso oferecer mais detalhes sobre a obra. Acredito que são um filme e um livro tão especiais que merecem ser vistos assim, sem maiores informações prévias. O que posso dizer, caro leitor, é que este livro e este filme me marcaram profundamente. O livro foi lançado apenas uma vez no Brasil e hoje encontra-se disponível apenas em sebos e lojas de livros usados. Já devo ter comprado uns cinco exemplares, em diferentes línguas e ocasiões, seja para compor minha biblioteca ou para presenteá-los a diferentes pessoas que, como Maude fez com Harold, me ensinaram a viver.
Afinal, mesmo que tenham me ensinado, quase todas as pessoas desconhecem essa maravilha cultural. Recordo-me com muito carinho de uma lembrança, em uma aula de Teoria da Literatura, quando perguntei à minha professora se ela conhecia o livro. Ela me disse que era um dos livros prediletos de uma grande amiga dela. Nesse momento, entendi a missão: tinha que falar sobre esse livro para as pessoas, deixá-lo vivo nas memórias.
Nunca conseguimos marcar todos, não é? Mas fiz — e faço — o que posso. Às pessoas especiais que cruzam meu caminho, sempre que possível, presenteio-as com a obra! Certa vez, precisei dar a minha própria edição em português para um amigo, e me emocionou vê-la, anos depois, ali, em sua estante, próxima à cama. Em outra ocasião, percorri três cidades na Holanda atrás da obra traduzida, e fui incapaz de encontrá-la. Horas depois, quase deixando o país, encontrei, em uma loja de vinis, o disco que Cat Stevens produziu — Harold and Maude —, mas já era tarde demais. Pelo menos pude enviar uma foto que lembrasse do livro que tanto falei.
Pode parecer que o livro perde um pouco do sentido ou da sua singularidade ao apresentá-lo assim a tantas pessoas. Há algo de especial nas coisas escondidas, reveladas aos poucos — quase exclusivas. Eu também pensava assim. Em um dos momentos mais marcantes do enredo, Maude (que, diga-se de passagem, é uma sobrevivente do Holocausto) diz a Harold: “Go and love some more” (vá e ame um pouco mais).
Essa frase ficou gravada nos meus pensamentos. Já vi várias tatuagens no Pinterest de fãs ao redor do mundo que resolveram marcar esse lindo diálogo em seus corpos. Em tempos de tanta individualidade, que nos requer coragem para lidar com os desafios, Maude — que em alguns momentos, como ao furtar o carro de um padre ou jogar uma lábia tremenda em um policial, nos parece inconsequente e irresponsável — nos mostra que o compromisso irrestrito com a liberdade e um olhar atento à vida e às pessoas podem nos levar a um caminho repleto de sentido e descobertas, sempre com bom-humor.
Como, então, não dizê-lo a mais pessoas? Devido a todas essas questões, resolvi escrever este texto ao Sagarana, convidando os leitores a darem uma chance ao quase esquecido filme e livro que nos presenteiam com essa improvável história de amor e liberdade. Uma comédia romântica? Sim. Uma obra sobre a contemplação da existência e novos olhares para a vida? Com certeza.
É isso que tento fazer toda vez que compartilho essa história com alguém: manter viva a coragem de amar um pouco mais. E quem sabe, também, ensinar — e aprender — a viver.
(O livro pode ser achado com certa garimpagem em lojas de livros usados. O filme está disponível para aluguel em várias plataformas de streaming.)