O ano de 2023 assinalou um recorde notável na balança comercial do Brasil, com as exportações atingindo a cifra impressionante de US$ 323,7 bilhões. Este êxito é majoritariamente atribuído à consolidada parceria comercial com a China, que agora absorve aproximadamente 30% dos produtos brasileiros destinados ao mercado internacional, representando um aumento significativo em relação à última década, quando sua participação não ultrapassava os 20%. Esta mudança reflete uma alteração nas dinâmicas globais de comércio.
É imperativo, entretanto, analisar este cenário com um viés crítico (no bom sentido da crítica), pois, apesar do sucesso evidente, há sérios indícios de vulnerabilidades na estrutura econômica do Brasil. O crescimento desproporcional das exportações para a China, enquanto as vendas para outros países, como os Estados Unidos, diminuíram, levanta preocupações entre os economistas. Eles apontam para os riscos associados à dependência excessiva de um único mercado. Mas esse não é o maior problema, haja vista a relação consistente entre os dois países nos últimos anos e a perspectiva de parcerias estratégicas.
A grande questão é o cardápio exportador brasileiro, amplamente dominado pelas commodities. Setores como soja, minério de ferro e petróleo correspondem a impressionantes 37% das exportações de nosso país. Em comparação com 2006, quando esses produtos representavam menos de 10%, nota-se uma falta de diversificação na pauta exportadora, aumentando a vulnerabilidade do país a flutuações nos preços dessas commodities no mercado internacional - o que acontece com certa frequência.
O setor agropecuário, especialmente nos segmentos de soja e proteínas de carne bovina, suína e de frango, também registrou marcas históricas em 2023, desempenhando um papel significativo na balança comercial. No entanto, ressurge a necessidade de questionar a ênfase excessiva nessas áreas e sua relação com a sustentabilidade ambiental. A dependência de práticas que podem resultar em impactos negativos a longo prazo, como desmatamento e intensificação no uso de agrotóxicos, exige uma abordagem ponderada. O fortalecimento do agronegócio, apesar de sua inquestionável potencialidade para a economia brasileira, deve ser acompanhado por uma estratégia de industrialização nacional.
Neste contexto, emerge a necessidade premente de repensar a estratégia econômica do Brasil. O grande desafio é a industrializar o país de maneira inteligente e sustentável. A indústria, historicamente capaz de proporcionar melhores salários e agregar valor aos produtos, é vista como a chave para posicionar o Brasil estrategicamente entre as nações. O vice-presidente e atual ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, sabe muito bem disso e chegou a afirmar em sua posse no MDIC que os maiores desafios no cargo serão "fazer o setor expandir a sua participação no Produto Interno Bruto, ter iniciativas que visem preservar o meio ambiente e se aliar à justiça social". [1] Isso é um alento porque demonstra que o governo está atento à questão desde janeiro de 2023.
Neste contexto, o governo brasileiro, por meio do MDIC, está forjando a nova industrialização em seis grandes pilares: 1. cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética; 2. complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS [Sistema Único de Saúde] e ampliar o acesso à saúde; 3. infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades; 4. transformação digital da indústria para ampliar a produtividade; 5. bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as futuras gerações; e 6. tecnologias de interesse para a soberania e a defesa nacionais. O plano é alvissareiro e, espero, seja implementado eficazmente. O grande desafio, aliás, é sua implementação efetiva, uma vez que não demanda apenas esforços governamentais, mas também a participação ativa da sociedade civil e a construção de consensos políticos de longo prazo - um grandioso desafio para o Brasil na atual conjuntura sociopolítica.
É imperativo que o país formule e implemente um projeto ousado de desenvolvimento, alinhado com princípios de responsabilidade socioambiental. Este projeto deve abranger políticas que fomentem a inovação, a capacitação da mão de obra, a diversificação produtiva e a redução das desigualdades sociais.
Apesar de os números recordes na balança comercial serem dignos de celebração, é crucial interpretá-los com um olhar crítico e de pensamento de longo prazo. A pergunta-chave que se impõe é: "Qual papel o nosso país quer e pode ocupar no mundo contemporâneo?" A hora é propícia para uma visão ousada e abrangente, capaz de posicionar o Brasil como protagonista na geopolítica contemporânea.
O aumento do Valor Adicionado Industrial per capita emerge como um fator intrinsecamente vinculado a diversos benefícios socioeconômicos, desempenhando papel crucial no aprimoramento do Índice de Desenvolvimento Humano. A ascensão desse indicador está associada não apenas à redução da pobreza e do trabalho infantil, mas também à criação de empregos qualificados e melhor remunerados, conforme destacado pelo professor Paulo Gala (FGV e Banco Master).
À medida que as economias se industrializam, a demanda por mão de obra qualificada se intensifica, incentivando a população a buscar educação e formação necessárias para acessar empregos bem remunerados. O aumento das receitas, o pagamento de mais impostos e o investimento crescente em educação tornam-se resultados tangíveis desse processo. Além disso, estudos demonstram que a industrialização também está intrinsecamente ligada à promoção da saúde. Inovações de alto nível e pesquisas científicas, incluindo desenvolvimentos em tratamentos médicos, vacinas e tecnologias médicas, são fomentadas em ambientes industrializados. Essa transformação econômica pode contribuir para a mitigação de efeitos ambientais adversos, como poluição, mudança climática, destruição de habitats e superexploração de recursos naturais.
Industrializar o país nas bases da sustentabilidade, da tecnologia e da soberania é uma importantíssima estratégia para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável e o posicionamento altivo do Brasil no concerto das nações.
Referências
[1] Alckmin toma posse como ministro e quer protagonismo da indústria no PIB. Carta Capital. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/alckmin-toma-posse-como-ministro-e-quer-protagonismo-da-industria-no-pib/.
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