“O Sagarana ter de ser escrito, pensei muito. Num barquinho, que viria descendo o rio e passaria ao alcance das minhas mãos, eu ia poder colocar o que quisesse. Principalmente, nele poderia embarcar, inteira, no momento, a minha concepção-do-mundo.” João Guimarães Rosa – Carta a João Condé.
Nesta primeira nota literária na contente missão literária que me foi dada ao “Sagarana Notícias”, não poderia deixar de homenagear nosso Ilustríssimo Mestre, João Guimarães Rosa, que tanto gostava de nossa região, e que se inspirou em nosso regionalismo de rios e mares de estórias, de “mundos de travessias”, para compor sua Obra. Começo aqui, explicando um pouco a palavra título que dá nome ao livro e ao portal.
“Sagarana”, pois, é um dos mais importantes livros da Literatura Brasileira, e é também a estreia do querido Rosa nas novelas romanescas. O livro traz 12 novelas que exala todo o seu regionalismo interiorano e afirma a assinatura artística do estilo inusitado do autor. Uma curiosidade é que o livro foi escrito em sete meses do ano de 1937. Só depois de sete anos, 1944, terminada uma árdua revisão “séria e lúcida” é que veio ao mundo o início da “Saga Roseana”. Nas palavras do Rosa, em uma carta ao amigo arquivista e então deputado João Condé, “O Sagarana ter de ser escrito, pensei muito. Num barquinho, que viria descendo o rio e passaria ao alcance das minhas mãos, eu ia poder colocar o que quisesse. Principalmente, nele poderia embarcar, inteira, no momento, a minha concepção-do-mundo.”
Sobre as estórias, como não se prender e se perder no tiroteio de “Corpo Fechado”, do seu Manuel Fulô, estória que inclusive menciona um personagem itaguarense, o avô da queridíssima Neusa Sorrenti, nossa grande autora. Em o “Burrinho Pedrês” adentramos um pouco no universo de rixa dos tropeiros, enfrentando seus desafios e suas desavenças “de pólvora”, em uma meia jagunça. “A hora e a vez de Augusto Matraga” merece mais do que atenção incondicional: é a última novela do livro, o presságio da canônica infinidade do Grande Sertão que narra a segunda maior batalha da Literatura Brasileira: a briga de facas entre Joãozinho Bem-bem e Augusto “nhô” Esteves Matraga. Sem sombra de dúvidas, Sagarana é um presente literário à humanidade e quem o lê se engrandece, se diverte e se faz “mais gente”.
Por fim, é enigmático e tarefa dificílima definir o universo... Em minha suspeita opinião, Ele é o Gênio Maior das palavras. O medo das letras; Incomparável; O travessão da travessia de um universo cósmico universal. Sem autorização prévia, Mestre, permita-me quebrar o formalismo da métrica do gênero com a sua voz e dar o ponto no i dessa primeira nota:
“O senhores saibam: eu toda a minha vida pensei por mim, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo”.
“A gente morre é para provar que viveu”. “Viver é muito perigoso: carece de ter coragem”. “O que há de mais bonito na vida, no ócio de viver, não está na chegada, muito menos na partida... Está na travessia.” Por isso, “carece de ter coragem.” “Tem mais não”.
Marcelo LENNA @marcelo.lenna
Marcelo é artista, professor de Literatura, graduado em Letras pela PUC-MG e mestrando em Sociolinguística e Dialetologia pela UFMG.