No Dia Internacional da Mulher, celebrado neste 8 de março de 2024, é importante reconhecer que não podemos nos limitar a gestos simbólicos como presentear com flores e chocolates. Esta data nos oferece uma oportunidade valiosa para uma profunda reflexão sobre a condição das mulheres em nosso contexto histórico atual, destacando tanto os avanços alcançados quanto as persistentes injustiças e desigualdades que demandam combate.
A jornada pela inclusão feminina no ambiente de trabalho é uma questão complexa, repleta de desafios que têm sido gradualmente superados ao longo dos anos. É inegável o progresso conquistado, com as mulheres ocupando uma parcela significativa de posições em empresas e até mesmo em setores tradicionalmente dominados por homens. No entanto, a luta por igualdade de oportunidades, ascensão e políticas que sustentem esses avanços a longo prazo ainda persiste. Não basta vislumbrar a luz no fim do túnel; é crucial garantir que essa luz permaneça acesa, iluminando o caminho para uma verdadeira equidade de gênero.
A desigualdade salarial, por exemplo, continua a ser uma questão premente, mesmo com garantias constitucionais e legais que preveem a equiparação de salários entre mulheres e homens. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres ainda recebem em média 20% a menos do que seus colegas masculinos, mesmo ocupando os mesmos cargos.
Para enfrentar esse desafio, o presidente Lula promulgou no ano anterior a Lei da Igualdade Salarial (Lei 14.611/23), que estabelece a obrigação de equiparar os salários entre os gêneros em circunstâncias onde ambos desempenham funções comparáveis, demonstrando igual produtividade e eficiência, independentemente de questões de gênero.
Embora essa legislação represente um avanço significativo na luta pela equidade de gênero no mercado de trabalho, sua eficácia depende não apenas da existência de leis progressistas, mas também de uma fiscalização rigorosa e de uma mudança cultural que desafie os estereótipos de gênero arraigados na sociedade.
Além da questão salarial, a representatividade nos postos de liderança é um aspecto crucial desse debate. Mulheres continuam sub-representadas nessas posições, especialmente na política e no ambiente corporativo, enfrentando obstáculos na progressão para cargos de liderança e uma série de desafios adicionais uma vez que alcançam essas posições.
As mulheres continuam sub-representadas nesses cargos, especialmente em setores como a política, onde sua presença é mínima, mesmo constituindo a maioria do eleitorado. No ambiente corporativo, dados do relatório Women in the Workplace, elaborado pela consultoria McKinsey em parceria com a ONG LeanIn.Org, revelam que mulheres brancas ocupam apenas 21% dos cargos de alto escalão (C-Level), em comparação com 61% dos homens brancos. A situação é ainda mais desfavorável para mulheres negras, que representam apenas 5% desses cargos executivos.
Essas estatísticas demonstram claramente que, apesar dos avanços nos últimos anos, as mulheres continuam enfrentando obstáculos na progressão para cargos de liderança, sendo menos promovidas do que os homens para essas posições iniciais. Para cada 100 homens promovidos a gerentes, apenas 87 mulheres acompanham esse crescimento profissional. Esse desequilíbrio numérico não apenas perpetua a sub-representação feminina na liderança, mas também mantém os homens em vantagem na ascensão profissional.
Os desafios não cessam com a conquista da ascensão profissional. Liderar sem políticas e ações concretas de igualdade de gênero acarreta dificuldades adicionais, levando algumas mulheres a abandonarem seus cargos. Em 2022, a cada mulher promovida a diretora, duas deixaram suas empresas, representando a maior taxa de saída de mulheres de cargos de liderança registrada nos últimos anos. Esse fenômeno acentua ainda mais a disparidade quantitativa entre homens e mulheres nessas posições.
As razões para a saída das mulheres de cargos de liderança variam, mas compartilham alguns pontos em comum. Em primeiro lugar, há o desafio da aceitação e legitimidade da liderança feminina, frequentemente prejudicada por preconceitos e estereótipos que colocam as mulheres em desvantagem desde o início. Mulheres são subestimadas, têm sua competência constantemente questionada e são submetidas a padrões mais rigorosos de avaliação.
Além disso, o acúmulo de responsabilidades domésticas e familiares sobrecarrega as mulheres líderes, limitando sua disponibilidade e gerando cobranças adicionais por eficiência. Os padrões de trabalho e gerenciamento familiar esperados para líderes homens e mulheres continuam sendo muito discrepantes, colocando mais pressão sobre as mulheres.
Para promover efetivamente o protagonismo feminino, é essencial que as instituições identifiquem suas próprias desigualdades e estabeleçam metas concretas para a equidade de gênero. Não cabe apenas ao governo editar normas para isso, é fundamental que a sociedade, as empresas e as instituições reconheçam essa disparidade e implementem soluções para saná-la. No caso da liderança feminina, a disparidade se mostra culturalmente presente, requer uma revisão dos processos de avaliação, programas de mentoria direcionados às mulheres e a conscientização sobre vieses de gênero nas decisões de contratação e promoção.
Um relatório recente do Banco Mundial revela que nenhum país do mundo oferece às mulheres as mesmas oportunidades no mercado de trabalho que aos homens, com a lacuna de gênero global sendo muito maior do que se pensava anteriormente. O estudo destacou a influência das políticas de cuidados infantis e segurança na participação das mulheres no mercado de trabalho, observando que, em média, as mulheres desfrutam de apenas 64% das proteções legais dos homens.
Apesar de avanços legislativos em alguns países, como na África subsaariana, há uma grande lacuna na implementação efetiva dessas leis, com poucos países fornecendo apoio financeiro ou padrões de qualidade para creches. Fechar essa lacuna de gênero poderia aumentar o produto interno bruto global em mais de 20%, mas as reformas necessárias estão avançando lentamente, segundo o economista-chefe do Grupo Banco Mundial, Indermit Gill [1].
Para alcançar uma equidade de gênero autêntica e promover a participação feminina de forma representativa e eficaz na sociedade, é essencial transcender os discursos e gestos simbólicos realizados apenas uma vez por ano (bombons e flores podem até ser vistos como gestos de gentileza, mas eles precisam vir acompanhados de ações efetivas).
Precisamos adotar uma abordagem contínua de conscientização, promovendo mudanças estruturais e culturais que reconheçam e valorizem plenamente o potencial e o talento das mulheres no mercado de trabalho e em todos os aspectos da vida. Somente assim poderemos colher os benefícios de uma sociedade mais justa e inclusiva.
[1] AHMED, Kaamil. (2024). No equality for working women in any country in the world, study reveals. The Guardian. Disponível em: https://www.theguardian.com/global-development/2024/mar/05/no-equality-for-working-women-in-any-country-in-the-world-study-reveals-world-bank-gender-gap?utm_source=the_news&utm_medium=newsletter&utm_campaign=09-03-2024.
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