Há pessoas cuja compreensão da política transcende a superfície das cotidianidades. João Batista Tavares é uma dessas figuras raras. Jornalista e consultor com vasta experiência, o juiz-forano já ocupou diversos cargos de assessoria em diferentes esferas no setor público ao longo de sua trajetória. Além de ser um profundo conhecedor de música popular brasileira — uma de suas grandes paixões —, João se destaca pela argúcia interpretativa acerca dos complexos bastidores da política e da gestão pública.
João sempre diz que os mandatos políticos podem ser divididos em quatro momentos bem distintos: o primeiro ano, marcado pela euforia; o segundo, pela perplexidade; o terceiro, pela frustração; e o quarto, pelo desespero. Tendo passado por essas fases como prefeito e como gestor, posso atestar a precisão dessa análise. E é justamente sobre o primeiro desses momentos — a euforia — que quero abordar, especialmente agora, após as eleições municipais de 6 de outubro, quando muitos gestores recém-eleitos estão imersos nesse estado de exacerbada excitação e desmedido otimismo.
A euforia do primeiro ano é poderosa e perigosa ao mesmo tempo. Ela surge logo após a vitória nas urnas, quando a sensação de que "tudo é possível" toma conta do ambiente. Lembro-me bem de como me senti nos primeiros meses após a vitória como prefeito: uma combinação de empolgação, confiança e uma vontade quase incontrolável de mudar tudo rapidamente . No entanto, como advertiu Sêneca, o pensador e conselheiro político romano, e um dos grandes representantes do estoicismo: "Nada é tão prejudicial ao caráter quanto a falta de firmeza e autocontrole. Quando somos guiados pela emoção, nossas decisões se perdem em meio ao entusiasmo e ao ímpeto.'" A reflexão nos lembra que, por mais forte que seja o impulso, o equilíbrio, a racionalidade e o foco no planejamento são fundamentais para evitar erros graves e construir uma gestão sólida e que entregue resultados concretos para a população.
No início de um mandato, esse desejo de realizar, alimentado pela euforia, precisa ser cuidadosamente equilibrado com um planejamento sólido e uma visão estratégica. Formar uma equipe é o primeiro grande desafio do prefeito eleito, e aqui reside um erro bastante comum: deixar-se levar pela passionalidade política e formar um governo composto apenas por políticos ou, no extremo oposto, confiar exclusivamente na tecnocracia. Governos excessivamente técnicos podem se desconectar das realidades sociais e políticas, enquanto governos compostos apenas por políticos tendem a perder a objetividade e, ao desconhecer a técnica e a metodologia, acabam por falhar na implementação de políticas públicas eficazes e projetos estratégicos. O segredo está em unir essas duas forças, domar a euforia inicial e construir uma gestão equilibrada e planejada.
Quando a perplexidade chega no segundo ano, o gestor é confrontado com a dura realidade da administração pública. O otimismo eufórico que marcou o início do mandato cede espaço para um cenário repleto de burocracias, restrições orçamentárias e a lentidão inerente aos processos governamentais. A vontade de realizar grandes transformações se depara com as barreiras administrativas e, frequentemente, com as hostilidades políticas que começam a emergir. Se o gestor não tiver conseguido controlar a euforia do primeiro ano, a perplexidade pode rapidamente se converter em um sentimento de impotência. No entanto, se essa energia inicial foi canalizada para um planejamento estratégico sólido, o segundo ano se transforma em um momento de ajustes necessários e amadurecimento das ações, permitindo que as iniciativas comecem a tomar forma de maneira mais estruturada e realista. Se o planejamento no primeiro ano foi bem conduzido, a perplexidade do segundo ano se torna uma oportunidade para ajustes e refinamentos, em vez de se transformar em um bloqueio insuperável.
No terceiro ano, a frustração é praticamente inevitável. As expectativas da população, alimentadas pelas promessas feitas no calor da euforia inicial, começam a se intensificar, e os resultados concretos ainda parecem distantes. É nesse ponto que o gestor, especialmente se não tiver agido com prudência e planejamento, pode começar a sentir que está falhando em suas metas. No entanto, essa frustração também pode ser transformada em uma valiosa oportunidade de reflexão e reorientação. Com uma equipe capaz de recalibrar as estratégias e ajustar o rumo, o governo pode redirecionar seus esforços e focar nos resultados que ainda são possíveis. No fim, a frustração serve como o teste derradeiro da capacidade de adaptação e resiliência da gestão.
Finalmente, no quarto ano, o desespero toma conta — e, em certa medida, ele é inevitável para todos. Com o mandato se aproximando do fim, a pressão por resultados tangíveis e a cobrança da população atingem seu ápice. Para aqueles que não planejaram adequadamente ou não recalibraram a rota nos anos anteriores, o desespero assume uma faceta negativa: a gestão pode sucumbir à tentação de tomar decisões precipitadas, sacrificando a qualidade dos projetos em nome de entregas rápidas. Nesse cenário, o desespero compromete o legado do gestor, levando a erros que poderiam ter sido evitados com mais paciência e estratégia. No entanto, existe também uma faceta positiva do desespero — ele pode ser um catalisador de ação, impulsionando a equipe a se concentrar nas prioridades e a focar no essencial. Para aqueles que souberam se preparar, o desespero pode se transformar em energia final para consolidar resultados e garantir um encerramento digno de sua gestão.
À medida que o mandato avança, o desafio de equilibrar a euforia com a realidade se torna cada vez mais evidente. A empolgação inicial, tão contagiante, pode facilmente obscurecer as prioridades reais, criando uma falsa sensação de urgência e poder. É nesse ponto que o gestor precisa demonstrar discernimento e maturidade. Como bem observou Peter Drucker: 'A coisa mais importante na comunicação é ouvir o que não está sendo dito.' Esse pensamento se aplica de forma exemplar à gestão pública. No auge da euforia do primeiro ano, é crucial ter a sabedoria de escutar as vozes silenciosas — os sinais sutis da cidade, as necessidades genuínas da população, e não apenas as demandas mais visíveis e superficiais. Quando o desejo de realizar se alinha a um propósito claro, fundamentado na compreensão profunda dessas necessidades, a euforia se transforma em uma força construtiva. Ela se canaliza para projetos sólidos, com direção e propósito, capazes de gerar transformações verdadeiramente significativas.
Lembro-me também de uma frase que um amigo, o ex-deputado federal e prefeito de Conceição do Mato Dentro, encerrando seu quarto mandato executivo, José Fernando Aparecido de Oliveira: 'Na política, o mais importante não é como a gente entra, mas como a gente sai." Muitos começam seus mandatos muito bem: com alegria contagiante e forte apoio popular, mas, ao longo do tempo, acabam se perdendo no meio do caminho. O que começou com entusiasmo muitas vezes termina em frustração, com gestores descredibilizados, incapazes de sequer andar pela cidade sem sentir a vergonha de um desempenho aquém das expectativas. Contudo, para aqueles que souberam planejar, manter a consistência e agir com sabedoria ao longo das quatro fases do mandato, o desfecho pode ser muito diferente. A sensação de dever cumprido é uma das maiores recompensas na vida pública. Não há nada mais gratificante do que encerrar um mandato de cabeça erguida, com a certeza de ter deixado um legado positivo para a cidade.
E isso não vale apenas para prefeitos, mas também para vereadores. Assim como o chefe do Executivo, o vereador precisa ter um plano de mandato bem definido, estratégias de ação, e um posicionamento político claro. Ele deve saber como se portar, o que defender, e, sobretudo, como representar a população de maneira ética e eficaz. O sucesso de um mandato parlamentar depende tanto de uma atuação política consistente quanto de uma compreensão do papel que se ocupa. Assim como os prefeitos, vereadores que não conseguem traçar um caminho coerente ou não souberam se preparar muitas vezes terminam seus mandatos descredibilizados. Por outro lado, aqueles que conseguem fazer isso com maestria saem com a cabeça erguida, certos de que cumpriram seu dever com responsabilidade e deixaram um impacto positivo em sua comunidade.
Outro ponto essencial que não se pode ignorar é o equilíbrio entre os prazos curto, médio e longo, especialmente na elaboração das leis orçamentárias e, sobretudo, do Plano Plurianual (PPA). O PPA, que deve ser elaborado no primeiro ano do mandato, serve como guia estratégico para toda a gestão, definindo as prioridades e metas para os quatro anos subsequentes. Ele é a base para um planejamento que alinha as demandas urgentes da população com um olhar estratégico para o médio e longo prazos, garantindo que as soluções propostas sejam sustentáveis e duradouras. O desafio está em construir políticas públicas que respondam às necessidades imediatas da população sem comprometer os recursos futuros ou a qualidade das ações. Isso exige controle financeiro rigoroso, alocação inteligente dos investimentos e um foco estratégico no custeio. Planejar bem significa priorizar com inteligência, assegurando que os recursos sejam aplicados de forma eficaz, gerando impactos tanto no presente quanto no futuro.
Por fim, o verdadeiro objetivo de um gestor público não deve ser apenas ceder à pressão imediata da euforia ou do desespero, mas sim construir um legado com propósito, que transcenda o tempo de seu mandato. Esse legado não é feito no calor do momento, mas por meio de ações planejadas, equilibradas e pensadas para o longo prazo. A cidade e seus cidadãos precisam de muito mais do que promessas ou soluções temporárias; eles necessitam de políticas públicas duradouras que realmente transformem suas vidas e reflitam o compromisso constante com suas necessidades. A reeleição ou a continuidade do projeto político, quando isso acontece, se torna uma consequência natural desse trabalho bem feito.
Aos novos prefeitos e vereadores, meu conselho é: aproveitem a euforia deste momento inicial, mas procedam com cuidado. Equilibrem suas equipes entre o conhecimento técnico e o entendimento político, planejem com foco nos prazos curto, médio e longo, e, acima de tudo, cerquem-se de pessoas leais e competentes. Evitem aqueles que apenas bajulam, pois esses costumam causar mais danos do que benefícios ao longo do mandato. A escuta ativa e a participação popular devem ser guias constantes, pois são elas que revelam as necessidades reais da cidade. Somente assim será possível construir um legado que vá além de seu mandato, deixando marcas positivas e duradouras na cidade e nas vidas de seus cidadãos. A reeleição, ou a continuidade do projeto político, será sempre a consequência natural de um trabalho exitoso e bem executado. A política nunca deve ser sobre projetos de poder, mas sobre servir à população e transformar vidas.
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