O X (antigo Twitter) está fora do ar, e esse é um dos principais assuntos em discussão no Brasil no momento. A suspensão da plataforma foi determinada na sexta-feira (30) por Alexandre de Moraes, ministro do STF, após a empresa de Elon Musk descumprir uma determinação judicial para indicar um representante legal no país. Essa decisão surgiu em um contexto no qual o X acumulou multas por não cumprir ordens judiciais anteriores, relacionadas à suspensão de perfis sob investigação por envolvimento em ataques golpistas. A empresa, inclusive, fechou seu escritório no Brasil, o que intensificou a resposta do STF, culminando na suspensão imediata de suas atividades no país.
Embora a suspensão do X tenha gerado polêmica, é importante entender que o mandado de intimação expedido por Moraes não menciona “banimento” da rede social, mas sua suspensão até que a empresa cumpra as ordens judiciais emitidas e pague as multas diárias aplicadas. A nomeação de um representante legal em território brasileiro é um dos requisitos mínimos para que empresas que prestam serviços possam operar no Brasil, conforme previsto no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). O não cumprimento dessa exigência legal justifica a decisão do STF, que visa garantir que as empresas operando no Brasil estejam em conformidade com as leis nacionais.
Em meio a esse cenário, é importante refletir sobre os perigos que as redes sociais representam na disseminação de desinformação. Outro dia, um amigo me contou que um vereador de Itaguara lhe disse que não acredita nas estatísticas. Decerto, ele também não deve acreditar em vacinas, aquecimento global e que a Terra seja esférica. Esse tipo de pensamento, infelizmente, é sintomático de uma era em que as redes sociais têm o poder de amplificar teorias da conspiração e mentiras, gerando um ambiente onde a ignorância se propaga com velocidade assustadora. Está é uma das grandes ameaças do nosso tempo: o uso irresponsável das redes sociais para propagar falsidades e desacreditar o óbvio. No entanto, o motivo pelo qual o X foi suspenso no Brasil não foi por disseminar tais teorias, mas sim pela recusa em cumprir uma ordem judicial para indicar um representante legal no país.
Elon Musk, ao justificar a recusa em cumprir as ordens judiciais, alegou que tais solicitações ferem a liberdade de expressão, um conceito que ele afirma defender de maneira intransigente. No entanto, é necessário fazer uma distinção clara entre liberdade de expressão e a liberdade de agressão (cometer crimes, incitar à violência ou disseminar desinformação). A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso IV, estabelece que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (BRASIL, 1988). Esse dispositivo constitucional assegura a liberdade de expressão, mas ao mesmo tempo impõe limites ao vedar o anonimato, precisamente para garantir a responsabilidade daqueles que expressam suas opiniões.
Em uma democracia funcional deve haver um equilíbrio inarredável: a proteção da liberdade de expressão não pode ser usada como um escudo para práticas ilícitas ou para evitar a responsabilização de indivíduos por seus atos. Como bem coloca Bernardo Gonçalves Fernandes:
"(…) falar em direito de expressão ou de pensamento não é falar em direito absoluto de dizer tudo aquilo ou fazer tudo aquilo que se quer. De modo lógico-implícito a proteção constitucional não se estende à ação violenta. Nesse sentido, para a corrente majoritária de viés axiológico, a liberdade de manifestação é limitada por outros direitos e garantias fundamentais como a vida, a integridade física, a liberdade de locomoção. Assim sendo, embora haja liberdade de manifestação, essa não pode ser usada para manifestação que venham a desenvolver atividades ou práticas ilícitas (antissemitismo, apologia ao crime etc...)" (FERNANDES, 2011, p. 279).
A recusa da plataforma X em obedecer às leis brasileiras ao não indicar um representante legal no país representa uma violação desse princípio constitucional, uma vez que impede a efetiva aplicação da justiça e facilita o anonimato em ações que podem ser prejudiciais ao interesse público.
Vale menção a outro artigo constitucional, o 220, que também garante a liberdade de expressão, especificando que essa liberdade "não comportará restrições", exceto nas hipóteses previstas pela própria Constituição, como no caso de defesa dos direitos humanos, da ordem pública e do cumprimento das leis. Nesse sentido, a suspensão do X precisa ser compreendida não como um “ataque à liberdade de expressão”, mas como uma medida excepcional de proteção à ordem jurídica.
O embate entre Musk e o STF não é recente. Desde abril de 2024, quando Moraes pediu a suspensão de perfis de usuários do X envolvidos em inquéritos sobre milícias digitais e ataques de 8 de janeiro, o bilionário tem se mostrado relutante em cumprir as decisões judiciais. A situação escalou com a ameaça de Musk de reativar contas anteriormente bloqueadas e a subsequente decisão de encerrar as operações do X no Brasil. A postura dele foi vista como uma afronta à autoridade judicial, o que levou Moraes a abrir um inquérito e, eventualmente, a ordenar a suspensão da plataforma até que as obrigações legais fossem cumpridas.
A ação de Moraes foi amplamente discutida na mídia internacional. O Washington Post classificou a decisão como uma "escalada dramática" da disputa entre o ministro e Elon Musk, destacando os "limites da liberdade de expressão em uma era dominada pela polarização e desinformação". Já o The Guardian ressaltou a importância da suspensão do X em sua homepage, justificando que o bloqueio se deu pela investigação sobre "milícias digitais" que apoiaram a permanência do ex-presidente Jair Bolsonaro após sua derrota eleitoral. Esses veículos internacionais destacam a complexidade e a seriedade do caso, sublinhando que a decisão do STF não é isolada, mas faz parte de um esforço mais amplo para combater a desinformação e proteger a democracia no Brasil.
O New York Times, por sua vez, publicou uma análise que destaca que a ação do STF não tem nada a ver com censura, mas sim com a necessidade de combater a desinformação e proteger a democracia. Conforme aponta o NYT, "tem sido um dos esforços mais abrangentes - e, em alguns aspectos, mais eficazes - para combater o flagelo das falsidades na Internet" (NEW YORK TIMES, 2024). O NYT explicou que o Brasil deu poderes ao STF para ordenar às redes sociais que retirassem conteúdos que ameaçavam a democracia, como parte de um esforço mais amplo e eficaz para conter a desinformação online, especialmente em tempos de eleições.
A recusa em cumprir determinações judiciais e a consequente suspensão da plataforma são medidas coerentes com a prática de outras democracias, como a própria União Europeia, onde há legislações rigorosas, como o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) e a Lei de Serviços Digitais (DSA), que impõem obrigações às plataformas digitais para remover rapidamente conteúdos ilícitos e colaborar com as autoridades judiciais.
A União Europeia tem sido um exemplo global de como equilibrar a proteção da liberdade de expressão com a necessidade de moderação de conteúdo nas plataformas digitais. Recentemente, a aplicação dessas legislações resultou em multas pesadas para grandes empresas de tecnologia que falharam em remover discursos de ódio ou desinformação relacionada à saúde pública, especialmente durante a pandemia de COVID-19. Tais medidas visam proteger os cidadãos europeus de conteúdos prejudiciais, garantindo ao mesmo tempo um ambiente digital mais seguro e respeitador dos direitos humanos.
É interessante observar que alguns políticos dos Estados Unidos, críticos da decisão de Moraes, não têm legitimidade para tal. Foi o próprio Congresso americano que deliberou sobre a proibição do TikTok de operar no país, sob a alegação de que “a plataforma violava a soberania americana e representava uma ameaça à segurança nacional e à privacidade”. Da mesma forma, aqui no Brasil, a suspensão do X deve ser vista sob essa ótica de proteção da soberania e das instituições democráticas. De toda forma, é fundamental que essas decisões sejam vistas como excepcionais e não se tornem regra.
A suspensão do X no Brasil é, assim, uma reafirmação do compromisso do STF com a aplicação da lei e a manutenção da ordem no ambiente digital. Longe de cercear a liberdade de expressão, a decisão visa garantir que essa liberdade seja exercida dentro dos limites da legalidade, sem infringir os direitos de outros ou comprometer a segurança pública. Em última instância, a decisão protege o espaço democrático das redes sociais, assegurando que essas plataformas operem de forma transparente e responsável, em conformidade com o arcabouço legal do país.
A defesa da liberdade de expressão não deve se confundir com a tolerância a práticas que violam a lei ou colocam em risco a segurança e a coesão social. O caso da suspensão do X no Brasil exemplifica a necessidade de uma regulação firme e consistente das plataformas digitais, que devem ser responsabilizadas por seu papel na sociedade.
O Brasil não pode sacrificar sua soberania em prol de interesses corporativos e extremismos políticos, devendo sempre assegurar que a liberdade de expressão, pilar de uma democracia saudável, seja exercida com responsabilidade e em conformidade com o ordenamento jurídico. O contrário disso é a implosão da civilidade, o desfalecimento da razão e a ruína da própria democracia – é o caos, a desordem, a balbúrdia, onde prevalece a lei do mais forte e do mais estridente.
Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 31 ago. 2024.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves.Curso de direito constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
NEW YORK TIMES. How Brazil’s Experiment Fighting Fake News Led to a Ban on X. 31 ago. 2024. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2024/08/31/world/americas/brazil-x-ban-free-speech.html>. Acesso em: 31 ago. 2024.
PODER360. Suspensão do X no Brasil é destaque na mídia internacional. 31 ago. 2024. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/poder-internacional/suspensao-do-x-no-brasil-e-destaque-na-midia-internacional/>. Acesso em: 31 ago. M
Comentarios