Me lembro do quarto de paredes cor de rosa, do toca-discos de vinil e daquele disquinho que eu me punha a ouvir várias vezes, dançando e sentido como se aquela música penetrasse em minhas veias e me entorpecesse a alma com um sentimento de liberdade, que me fazia voar por cima da terra e sentir que eu era um ser livre e que nada no mundo poderia me acorrentar, nem a mim, nem a meus pensamentos.
Eu tinha apenas doze anos, era 1976 e a ditadura militar, assim como eu, completaria doze anos. Não tinha a mínima ideia do que era uma ditadura institucional, nem do que ocorria nos porões dos quartéis das grandes e médias cidades brasileiras. A percussão da linda “Pavão Mysteriozo” e a letra me enebriam até hoje e me causam a mesma sensação de liberdade e alegria que sentia aos doze anos, porém em um cenário bem diferente dos alegres e ingênuos anos de minha adolescência.
O Brasil mudou, nós mudamos, não temos mais Ednardos e Belchiores, bem com uma cepa de cantores e compositores que através de suas músicas expunham as mazelas de uma ditadura militar corrupta e estatista e nos premiaram com maravilhosas canções que em nossos ouvidos são eternas. Entre suas letras escorriam os lamentos de uma liberdade e de uma igualdade que mais tarde entenderia, só em sonhos existia.
Este espírito de liberdade e crítica que incorporei ouvindo Elis Regina, Chico Buarque, (admiro até hoje sua obra, não mais sua pessoa) e tantos outros ícones que nos proporcionaram um arsenal cultural invejável durante os anos de “chumbo”, que nos fizeram ir à luta pelas Diretas ao som do Hino nacional cantado por Fafá de Belém, como também ir às lágrimas ao ouvir o anúncio da morte de Tancredo Neves em 1985, e vivíamos nossa primeira decepção na nova democracia que teimava em nascer, apesar das várias tentativas de aborto que sofremos.
O Brasil é uma grande “Ópera Buffa”, onde nada de sério é levado a sério. Nossas leis existem para serem executadas contra os inimigos, ou a “meu favor, se me convier”. É aquela velha estória: "se eu estou perdendo o jogo e sou o dono da bola, a coloco debaixo do braço e vou embora”.
Não vivemos em uma verdadeira democracia, em que todos estão debaixo das mesmas leis e sob os mesmos direitos. Temos um sistema judiciário que a partir da segunda instância é muitas vezes subserviente e leniente com os poderosos de plantão, pois seus membros são nomeados pelos políticos e fazem malabarismos para agradecê-los pelo resto de suas vidas, como podemos ver os nossos supremos juízes do STF, que anulam sentenças, tornam juízes de primeira instância (concursados) parciais, anulam provas, anulam condenações e praticam os maiores abusos constitucionais em nome da dita DEMOCRACIA. E nós que pagamos um ingresso caríssimo para assistir este espetáculo, ficamos com cara de palhaços, onde eles debocham da nossa cara, riem da nossa estupidez, da nossa incompetência em enxergarmos o óbvio ao pedirmos suas cabeças ao senado federal, que em tese, são seus avalistas.
Onde estão nossos contestadores? Eles se calaram? Eles encheram as burras de dinheiro e se calaram. Onde está a igualdade social? Onde está a igualdade de direitos? Porque o Brasil ainda tem gente passando fome? Não era para ter, com tantos programas assistencialistas, trocando voto por comida.
Porque tratamos nossos políticos como “POPSTAR”? Eles são nossos funcionários públicos em cargo eletivo, pagamos caro para gerirem nossos impostos. Temos de parar de adorá-los e começar a cobrar, de todos. Não tem santo na política! Só muda a cor da camisa. Porque ideologia, moçada, no Brasil, tem a cor e o valor do dinheiro. As pessoas fingem ser de esquerda ou de direita de acordo com a conveniência, raras pouquíssimas exceções.
São um bando de sangue sugas que se tornam verdadeiras “holdings” familiares que se aboletam no poder para nos assaltar, sem nenhum compromisso com o eleitor que brigou na rua com seu amigo de infância para coloca-lo no poder.
Temos que ter lado sim. O nosso lado, o lado do pagador de impostos, o lado de quem paga um absurdo de imposto e ainda tem de pagar plano de saúde, porque na fila do SUS você terá de se curar apenas com a ajuda de Deus, se sua doença for grave e você não tiver recursos para tratar.
Nós infelizmente não vivemos em uma democracia plena, vivemos em uma pseudodemocracia, onde os amigos do rei, podem falar o que quiserem e seus inimigos, estarão sujeitos aos rigores da lei. Hoje os chamados” influencers”, são pessoas, que fazem fofoca da vida alheia, estão mais preocupados com uma capivara do que com a "lei da mordaça" que o governo quer nos empurrar goela abaixo para limitar quem realmente o critica na internet, com a desculpa das fake news, que existem em todas as plataformas e até mesmo, os grandes veículos de imprensa, as divulgam se não fizerem um bom trabalho de checagem.
A liberdade de expressão é garantida pela nossa combalida Constituição e qualquer lei que venha tentar “sequestrá-la”, devemos nos levantar e clamar por nosso direito de expressar, pois ninguém, nem o “rei”, tem o direito de dizer ou ditar o que podemos pensar ou falar. Nascemos livres para viver, e até voar se quisermos...
“Quem tem consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra mola que resiste
Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade, decepado
Entre os dentes segura a primavera.”
Música e letra de João Apolinário/ João Ricardo- Secos & Molhados- 1973
Maria da Conceição Lima Costa- Professora aposentada da Rede Municipal de Belo Horizonte – Licenciatura Plena em Geografia -UFMG/INCOR- Pós-Graduação em Educação Ambiental pela Faculdade Rio Branco- SP e Política e Sociedade – Faculdade São Luís- Curitiba-PR.
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