Sou daqueles que acreditam, convictamente, que é possível (e até necessário, por vezes) ressignificar os períodos históricos, sem modificá-los. Ainda mais quando se trata de data cívica, ou seja, uma efeméride cujo significado para a coletividade possui importância central, além de denotar um elemento de coesão social.
É preciso tomar emprestado um termo do vocabulário psicanalítico e transpô-lo para o universo político: a ressignificação. Ressignificar consiste em dar um novo significado a alguma experiência de vida. Morfologicamente a palavra traz a noção de significar de novo, uma vez que “re” significa “novamente”. Mas se formos na raiz do vocábulo, contata-se que a palavra significa essencialmente: “retirar afeto de alguma coisa”.
Não é possível cultivar qualquer “afeto” por um golpe militar um tanto quanto atabalhoado, empreendido por uma minoria da alta classe militar brasileira, sem qualquer apelo popular, nos estertores do reinado de Pedro II.
Assim, a república brasileira proclamada no distante e apático 15 de novembro de 1889 não deve ser a mesma que se comemora nesta incomparável primavera cálida de 2023. A república contemporânea está a exigir, pacientemente, há décadas, que o mínimo das promessas democráticas se cumpra neste primeiro quarto do século XXI no Brasil.
Elenco quatro dessas promessas: a edificação de uma sociedade menos desigual, com mais oportunidades para seus concidadãos; o fim dos privilégios corporativos e classistas que, historicamente, subvertem o poder; a ruptura com a persistente tradição oligárquica que impõe atrasos à nação; a implementação de um modelo participativo nas decisões governamentais nos três níveis da federação; a universalização de uma educação de qualidade voltada para a cidadania, possibilitando a verdadeira emancipação intelectual e crítica das pessoas (o que implicaria na superação da intolerância e dos preconceitos que vigem, vergonhosamente, entre nós).
Acrescentaria uma quinta e fundamental promessa democrática e republicana imposta pela atualidade: a implementação de políticas públicas visando ao reequilíbrio ambiental, freando as mudanças climáticas e trabalhando pela imediata regeneração do planeta a partir de uma racionalidade ecológica. Enquanto escrevo este artigo, a sensação térmica passa dos 50ºC em boa parte do país. A República Federativa do Brasil pode dar um grande exemplo ao mundo (e cobrar das nações que desmataram impunemente séculos antes) se cumprir eficazmente com essa promessa/desafio, o maior da contemporaneidade.
Comemorar a república, hoje, significa cobrar (ativamente) por essas promessas não cumpridas da democracia. Significa, sobretudo, perceber que não haverá forma de governo justa enquanto persistirem esses entraves - o descumprimento dessas promessas. A ressignificação da república, portanto, deverá vir acompanhada da ação.
(...) A ressignificação da República, portanto, deverá vir acompanhada da ação (...).
E iniciada necessariamente pelos Municípios. Pelas bases. Bem experiente para esta ação é o próprio ilustre escritor do artigo que já foi prefeito por dois mandatos.
É hora de voltar à administração pública de base e depois alçar voos mais ousados a nível estadual.
Gostei muito do artigo. Parabéns Alisson Diego. Parabéns
Espetacular, essse texto corrobora com tudo que vivenciamos na nossa jovem coisa pública. Uma jovem república que precisa ser ainda mais consolidada com a efetividade e implementação de ações concretas.