Já estamos rumo ao segundo semestre do ano de 2023, seguindo o fluxo, como dizem! Mas, em qual direção deescoamento ou movimento contínuo de algo que segue um curso, estamos seguindo¿ Em qual vazão, velocidade, profundidade, sentido, forma¿... tantas possibilidades! Deixando a vida “percolar” ou seguindo superficialmente, sabendo onde quer chegar ou apenas desviando de obstáculos e meandros.
A analogia com um recurso hídrico nos apresenta muitas variáveis para tentarmos nos entender como seres vivos e passíveis de mudanças no percurso que estamos seguindo, assim como um rio! Quantas músicas, com tamanha beleza, também utilizam do rio como símbolo para pensarmos no “curso” de nossas vidas..., como o exemplo desta, de Paulinho da Viola: “Não posso definir aquele azul / Não era do céu / Nem era do mar / Foi um rio que passou em minha vida / E meu coração se deixou levar”.
E depois de refletirmos de maneira poética sobre um rio, vamos pensar em como estamos cuidando, conhecendo e colaborando para com os nossos recursos naturais fluviais, em especial, na bacia hidrográfica do ribeirão Conquista, em Itaguara/MG. Afinal, os cursos d’água estão diretamente associados a nossa qualidade de vida, a nossa percepção e práticas sobre o meio ambiente e também como objeto de pesquisa e análise.
Em 2019, realizei uma pesquisa, durante a minha graduação em Geografia e Meio Ambiente, que teve como elemento a bacia hidrográfica do ribeirão Conquista sob os aspectos ambientais e de unidade de planejamento e gestão do território. A escolha pelo ribeirão Conquista se deu, inicialmente, por eu ser natural de Itaguara e já ter vínculos afetivos com a geografia local, na tentativa de contribuir na produção de conhecimento de um tema fundamental e até aquele momento, pouco estudado sob os aspectos mais sistêmicos de análise. Mas, esta escolha foi pautada, principalmente, pela identificação das características relevantes deste curso d’água, que é afluente da margem direita do rio Pará, e tem sua bacia totalmente inserida nos limites administrativos do município de Itaguara, onde intercepta a área rural e urbana ao longo dos seus 27 km de extensão.
A pesquisa contou com levantamentos secundários para análise ambiental, com foco nos aspectos físicos e socioambientais da bacia hidrográfica do ribeirão Conquista, apoiados pelo uso de um Sistema de Informações Geográficas (SIG) para análise espacial dos dados. Utilizando, inclusive, muitos dados do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Pará (CBH Pará), relevante instância de apoio do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Contudo, faz-se aqui uma ressalva da importância de dados primários para ampliar e dar continuidade de pesquisas desta natureza.
O estudo deve ser contextualizado no tempo e nas preliminares concretizações de uma recém formada em fazer pesquisa, mas já denotando o meu compromisso com devolutivas e compromissos locais, com trabalhos mais sistêmicos de entendimento e aplicação do conceito de meio ambiente. Alguns dos resultados obtidos foram, sob o aspecto teórico e conceitual, o experimento prático de como as bacias hidrográficas se consolidam como compartimentos geográficos coerentes para planejamento integrado do uso e ocupação dos espaços rurais e urbanos, tendo em vista o objetivo de alcance ao desenvolvimento sustentável. Compatibilizando atividades econômicas com qualidade ambiental, avaliando potenciais impactos e alterações das paisagens, sem deixar de conciliar a preservação ambiental no seu planejamento. Ademais, sob o aspecto analítico, foi possível traçar considerações de caráter holístico, realizadas não somente com aspectos climáticos, pedológicos, geomorfológicos e hídricos da bacia, mas incluindo dados sociais, locacionais, econômicos, relacionais e dinâmicos. Apontando para necessidade de tomadas de decisão e consideração dos gestores públicos destes mecanismos e ferramentas de apoio a gestão de seus territórios.
Ao caracterizar a bacia do ribeirão Conquista o estudo objetivou despertar e fomentar entendimentos na perspectiva socioambiental desta porção do território de Itaguara, se assemelhando a um diagnóstico e apresentando possibilidades para um planejamento e gestão, sem alcançar elaboração medidas propositivas em seus resultados. Entretanto, acredita-se que projetos e ações possam ser elaborados a partir de bases de dados semelhantes as deste estudo em questão, aliados a conhecimentos sistêmicos e atualizados sobre o ribeirão Conquista e sua bacia, para melhoria de seus usos. Um projeto que poderia contribuir para os recursos hídricos de Itaguara e região, e foi incentivado pelos resultados da minha pesquisa, seria a criação de um sub comitê para a bacia do ribeirão Conquista, em especial, pelas análises espaciais indicarem uma unidade de planejamento e gestão inserida totalmente no limite administrativo municipal, potencializando zoneamentos, análises de risco, locais de captação, áreas de preservação permanente, dentre outros aspectos.
Alcançando minha trajetória profissional e acadêmica recente, eu incluiria projetos e aspectos relacionados a valoração deste recurso hídrico, contribuições do campo do Patrimônio Cultural. Considerando as devidas escalas, seriam aos moldes da bacia do rio Jequitinhonha, tombada como patrimônio pelo seu valor cultural. Para tanto, o ribeirão Conquista e suas referências de lugar, tais como cachoeiras, como a Pataca, poderiam potencializar rotas turísticas e de preservação ambiental, configurando uma alternativa para desenvolvimento econômico, cultural e social de Itaguara.
Destaco, mais uma vez, a importância da utilização dos Sistemas de Informação Geográficos nos processos de caracterização, delimitação e espacialização de dados analíticos para se conhecer o território em pesquisa, pois não é possível planejar o que não se conhece, nem gerenciar o que não se controla. Caso contrário, será contínua a mitigação de impactos de intervenção no curso d’água ou tomadas de decisão sem critérios técnicos e, consequentemente, sem construir instrumentos para fiscalizar as ações já efetivadas e potencialmente causadoras de danos ambientais. Neste sentido, agora com o acumular de outras experiências da minha trajetória profissional, acredito que é possível um planejamento responsável e sustentável, que utilize uma base de dados secundários, primários, espaciais e analíticos, com objetivos de melhores estratégias e gestão de uso e ocupação do solo, participação social, considerando os usos múltiplos dos recursos hídricos e socioambientalmente contextualizados com a realidade e características de cada porção da bacia hidrográfica em questão.
A ocupação humana e os diversos usos do solo, principalmente, no perímetro urbano e a montante deste, provocou a supressão da mata ciliar e mudança das características ambientais do ribeirão Conquista, o que impacta sobre a própria população nos períodos de chuva, com ocorrências de alagamento na sede urbana e perdas de infraestruturas e benfeitorias. Este é apenas um dos exemplos de como a preservação e cuidado com o recurso hídrico tem importância direta na vida cotidiana da população de Itaguara.
Outros aspectos, tais como, indicadores de qualidade da água, limitação de expansão das atividades produtivas, não só na área urbana, mas, na área rural, por proximidade ou interferência em áreas de preservação permanente, em especial, nas áreas de nascentes, podem ser gerenciados a partir de uma unidade de planejamento. E poderiam, portanto, receber colaboração a partir da gestão da bacia hidrográfica do ribeirão Conquista com a participação da população em projetos de educação ambiental, formação de agentes comunitários para vigilância dos aspectos ambientais do curso d’água, maior proximidade de atuação e parcerias com o CBH Pará, atuação da administração municipal na mediação de conflitos sobre usos da água, dentre outros.
*Este texto foi elaborado a partir de uma entrevista concedida ao CBH Pará para a Revista Rio Pará nº 01, em janeiro de 2023. Acessem o site: https://cbhriopara.org.br/, sigam @cbhriopara.
Marina Vilaça é mestre em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, especialista em Patrimônio Cultural na Contemporaneidade, bacharel e licenciada em Geografia e Meio Ambiente. Analista ambiental, com experiência em projetos socioambientais, patrimônio cultural e avaliação de impacto. Atualmente é responsável técnica na empresa Culturas Ambientais Consultoria.culturasambientais@gmail.com / @culturasambientais
Escreve sobre Meio Ambiente e Patrimônio Cultural
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