O suicídio é uma triste realidade mundial e ocasiona enormes prejuízos à sociedade. Segundo a última pesquisa feita pela Organização Mundial da Saúde - OMS em 2019, são registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo, sem contar os episódios subnotificados, pois devido a isso, são estimados mais 01 milhão de casos. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, em média, 38 pessoas cometem suicídio por dia.
A Campanha Setembro Amarelo foi criada em 2013 por Antônio Geraldo de Oliveira, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria à época e desde 2014, em parceria com o Conselho Federal de Medicina contribui para a conscientização acerca da saúde mental no Brasil.
Mas, a humanização da saúde mental no país é um avanço recente, se levarmos em consideração que há poucas décadas ocorria no Hospital Colônia de Barbacena, Minas Gerais, talvez a maior violação de direitos humanos ocorrida em território brasileiro, intitulada por Holocausto pela escritora Daniela Arbex.
Estima-se que o genocídio ocasionou a morte de mais 60 mil pessoas no Hospital Colônia. Centenas de pessoas chegavam diariamente em Barbacena. O melancólico apito do trem, anunciava a chegada dos pacientes, com ares semelhantes à de um campo de concentração nazista. Daí surgiu a expressão mineira “trem de doido.”
A expressão que hoje possui conotação positiva é conhecida pela maioria dos mineiros, mas, talvez, poucos possuem conhecimento da sua verdadeira origem na primeira metade do século passado, quando o trem chegava em Barbacena, com grandes vagões de carga contendo centenas de pessoas para uma viagem, na maioria das vezes, sem volta.
João Guimarães Rosa imortalizou em seu conto “Sorôco, sua mãe, sua filha” da obra Primeiras Estórias, de 1962, a dor, solidão e exílio vivenciados por aqueles que embarcavam no trem com destino à Barbacena:
“As pessoas não queriam poder ficar se entristecendo, conversavam, cada um porfiando (competiam) no falar com sensatez, como sabendo mais do que os outros a prática do acontecer das coisas. Sempre chegava mais povo - o movimento. Aquilo quase no fim da esplanada, do lado do curral de embarque de bois...Parecia coisa de invento de muita distância, sem piedade nenhuma... Para onde ia, no levar as mulheres, era para um lugar chamado Barbacena, longe. Para o pobre, os lugares são mais longe.
O trem que levará as duas para o hospício de Barbacena já está parado na estação da vila onde Sorôco mora, e as “muitas pessoas já estavam de ajuntamento, em beira do carro, para esperar.” Elas sabiam a cena de dor a que iriam assistir e, para espairecer a tristeza, conversavam, “cada um porfiando no falar com sensatez, como sabendo mais que os outros a prática do acontecer das coisas”. Os preparativos para a partida do carro se sucedem, até que alguém anuncia: “Eles vêm!...”
O hospital recebia a todo momento, além de pessoas diagnosticadas com doença mental, prostitutas, negros, epiléticos, homossexuais, mães solteiras, meninas desobedientes, mulheres engravidadas pelos patrões, moças que haviam perdido a virgindade antes do casamento, mendigos, alcoólatras, melancólicos, tímidos e todo tipo de ser humano considerado “desviado” dos padrões sociais.
O documentário filmado em 1979 no Hospital Colônia de Barbacena representa um marco na luta antimanicomial e da reforma da psiquiatria brasileira. A sinopse questiona, com uma abordagem sociológica e filosófica da instituição psiquiátrica e seu objetivo na sociedade.
Nas palavras do cineasta Helvécio Ratton:
“Esse hospício não é uma realidade isolada, ele se reproduz em vários outros lugares, às veze com pequenas diferenças e nomes sofisticados, devemos compreendê-lo como uma instituição que cumpre um papel determinado em nossa sociedade. O hospital psiquiátrico funciona como um depósito. Para cá vem os improdutivos de uma maneira geral. Os inadaptados, os indesejáveis e os desafetos. Todos aqueles que por um ou outro caminho se desviam daquilo que chamamos de normalidade. Através do hospício, a sociedade exclui os que não se adaptam a um sistema baseado na competição. Aquele que não tem família é confinado para sempre e recebe um rótulo, crônico social. Mesmo depois de terminado o processo da loucura que o levou ao internamento ele continua aqui, sem ter para onde ir, ou voltar.”
Produzido num período em que se consolidava o início do processo de abertura política brasileira, com a consolidação das intuições democráticas, o documentário abre as portas dos “porões da loucura”, a fim que todos repensassem sobre o sistema da psiquiatria arcaica, desumana e atroz praticada no Brasil.
Atualmente, podemos dizer que a luta antimanicomial conseguiu inúmeros avanços. Com a promulgação da Constituição de 1988, os direitos fundamentais foram consagrados. Efetivada a democracia no Brasil o Estado foi incumbido de zelar pelo respeito da dignidade da pessoa humana.
A lei 10.216/01 ressalta:
Art. 1° Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
Art. 3° É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
Atualmente o Hospital Psiquiátrico de Barbacena possui tratamento humanizado para seus pacientes, devidamente fiscalizado pelo poder público e conta com o Museu da Loucura, em suas instalações.
Criado em 16 de agosto de 1996, o museu é pioneiro na temática saúde mental no Brasil, apresentando a evolução da psiquiatria, sendo um espaço de memória e reflexão acerca do período das barbáries cometidas em Barbacena.
Na sociedade das redes sociais de em que vivemos, de competição extrema, julgamentos, comparações e falsas aparências, que possamos seguir nosso caminho e perseguir levemente nossos objetivos, mesmo diante dos desafios inerentes à vida humana.
É preciso seguir a jornada, sem temer os intitulados “ratos” da canção “Trem de doido” de Lô Borges:
“Quero estar onde estão os sonhos desse hotel
Muito além do céu, nada a temer, nada a combinar
Na hora de achar o meu lugar no trem e não sentir pavor
Dos ratos soltos na casa
Minha casa
...
Não precisa ir muito além dessa estrada
Os ratos não sabem morrer na calçada
Ah, é hora de você achar o trem e não sentir pavor
Dos ratos soltos na casa”
Sua casa”
Portanto, cuide-se! Siga a jornada com alegria e paz no coração! E, se precisar, lembre-se do lema da campanha do Setembro Amarelo 2024:
Peça ajuda!
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