“Lépida, límpida e luminosa” - esses eram os três adjetivos que João Guimarães Rosa utilizava para se referir à primogênita
Como que por uma dessas imposições inusitadas do destino, a filha mais velha de Guimarães Rosa morreu pela mesma causa do pai: um infarto fulminante.
A escritora Vilma Guimarães Rosa partiu há um ano, em 30 de janeiro de 2022, aos 90 anos de idade, no Hospital Adventista Silvestre, na Zona Sul do Rio de Janeiro. A escritora itaguarense estava internada por causa de complicações do diabetes, segundo a família.
Autora de 8 livros, sua obra mais conhecida é a biografia de João Guimarães Rosa, intitulada “Relembramentos: João Guimarães Rosa, meu pai”. Neste livro, a escritora relembra a infância em Itaguara e perpassa os momentos mais importantes de sua vida e da vida de seu pai. Em uma nova edição, lançada em 2014, Vilma acrescentou várias páginas sobre Itaguara, após a reaproximação com a sua cidade natal com a inauguração do Museu Sagarana em 2012.
A escritora e Itaguara
Vilma nasceu em Itaguara em 5 de junho de 1931, durante o biênio no qual o pai foi médico no então distrito de Itaúna. Filha de Lígia Cabral Pena e João Guimarães Rosa, ela gostava de lembrar que seu primeiro banho foi com as lágrimas emocionadas do escritor.
A escritora esteve em Itaguara em diversas ocasiões e, certa vez, contou que seu desejo em conhecer a sua terra natal (após adulta) aflorou quando estava em Paris, numa mesa com amigos, quando surgiu o assunto genealogia.
Apesar de ter ido à cidade na década de 1970 e outras duas vezes nas décadas de 80 e 90, a relação com Itaguara se intensificou mesmo a partir da construção do Museu Sagarana (Musa). Entre 2009 e 2016, foram 4 visitas à cidade.
O ex-prefeito de Itaguara e idealizador do Musa, Alisson Diego Batista Moraes, tornou-se amigo da escritora e conta a como foi a primeira vez que falou com Vilma: “Quando tivemos a ideia da construção do museu e decidimos nomeá-lo “Sagarana”, dada a importância da ambiência itaguarense para a obra, liguei para Vilma, após pedir o número de telefone à Dona Maria Geralda Costa, amiga da escritora. Vilma foi, desde o início, muito solícita, gentil e ficou entusiasmadíssima com a ideia do Museu. Ajudou-nos muito desde aquele momento”.
Depois daquela conversa telefônica, seguiram-se várias outras, além de encontros presenciais; até que a escritora esteve novamente em sua terra, por ocasião da inauguração do Musa em abril de 2012. Após aquele momento, Vilma e seu esposo, Peter Reeves, estiveram por três anos consecutivos no evento de aniversário do museu: a Semana de Arte e Cultura do Museu Sagarana (extinta em 2017, apesar de integrar o calendário cultural do município).
Em abril de 2013, quando voltou à Itaguara para a comemoração de um ano de aniversário do Musa, a escritora itaguarense visitou a comunidade de Pará dos Vilelas, o simbólico distrito acometido pela maleita e imortalizado no conto Sarapalha. Vilma e Peter posaram para uma foto, ao lado do prefeito Diego, em frente à histórica Igreja de Nossa Senhora da Conceição.
O ex-prefeito, Alisson Diego, conta que pretende escrever um livro sobre Vilma. “Ainda não sei se será um livro especificamente sobre a Vilma ou sobre a relação da família dela com Itaguara, mas planejo escrever algo neste sentido. Há uma história bonita que não pode deixar de ser contada. Vilma me relatou muitos acontecimentos e compartilhou muitas percepções. Em homenagem a ela, quero escrever esse livro”.
Diego lembra de suas últimas conversas com Vilma: “Falamos por telefone no dia 01º de janeiro de 2022 e, novamente, no dia oito de janeiro. Foram duas conversas bonitas, nas quais abordamos Itaguara, o Brasil, a existência, a pandemia, a senectude, a literatura, o meu trabalho na ocasião e os planos de vida - eu estava trabalhando em Itabira e perguntei a ela sobre a relação entre o Rosa e o Drummond - a conversa fluiu. Ela estava bem e mencionou que sentia saudades de Peter (seu esposo, falecido em agosto de 2020). Combinamos um encontro no Rio de Janeiro para o mês de fevereiro, mas infelizmente não deu tempo de acontecer. Vilma se encantou antes”.
Vida
Após passar a primeira infância em Itaguara, Vilma morou em Barbacena e depois se mudou para o Rio de Janeiro com a família, onde cursou o ensino fundamental e médio. Completou seus estudos superiores na Universidade Sorbonne e na Aliança Francesa, em Paris, onde viveu durante alguns anos.
A escritora foi casada duas vezes. A primeira, com Caio Antonio Bernardo, pai de seus dois filhos, João Emilio Ribeiro Neto e Laura Beatriz Guimarães Rosa Ribeiro Lustosa. O segundo, com Peter Quiney Reeves, com quem viveu por 55 anos até a morte dele, em 2020. Além dos filhos, ela deixou duas netas: Alice e Catharina.
Sua única irmã, Agnes Guimarães Rosa, nascida em Barbacena-MG, morreu aos 82 anos em 2016.
Obra
Assim como o pai, Vilma Guimarães Rosa herdou a arte de criar neologismos e lançou o seu primeiro livro com um título sui-generis, “Acontecências”. O livro foi lançado em novembro de 1967, apenas alguns dias antes da morte de Guimarães Rosa, que a chamou de “jovem colega” da festa de lançamento da obra.
Não foi uma escritora prolífica porque, assim como o Rosa, Vilma escrevia sem a pressa do produtivismo contemporâneo. Tecia as palavras com muito cuidado para não dizer além, nem aquém do que se deve. Por sua literatura, recebeu inúmeros prêmios como o Afonso Arinos e o Joaquim Nabuco, instituídos pela Academia Brasileira de Letras (ABL).
Confira a cronologia das obras de Vilma:
Acontecências - 1967
Setestórias - 1970
Por que não? - 1972
Carisma - 1978
Clique! - 1981
Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu Pai - 1983
As Visionárias - 1986
Mistérios do Existir - 1999
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