Um dia desses (que para nós mineiros pode ser no intervalo de tempo entre um dia ou meses atrás... nada preciso) fui provocada a pensar sobre o lugar. Isso mesmo, sobre esta categoria ampla e cheia de possibilidades, com significados que vão desde uma parte delimitada do espaço até o local onde se está ou se deveria estar, segundo o dicionário. Ou seja, um conceito que localiza, posiciona, situa e ao mesmo tempo pode determinar apenas o percebido, sentido e não materializado.
Foi então que voltei a confrontar a importância deste termo, não só para a nossa concepção de mundo, na condição de organização do pensamento, uma terminologia técnica no campo da geografia e meio ambiente, mas como conjunto de análise na área do Patrimônio Cultural e referências culturais. Já vou explicar melhor!
Estamos sempre em busca do nosso “lugar”, de entender o onde – de onde viemos, para onde vamos, onde estamos, a qual lugar pertencemos na nossa cidade, casa, corpo, dentro dos corações das pessoas... e por assim vai! E na atuação da geografia, lidamos diretamente com classificações e denominações de porções do espaço geográfico, que são objeto de estudo desta ciência, e na relação estabelecida entre os seres humanos e o seu meio. Portanto, o uso de conceitos como região, local, território, superfície do planeta e lugar também nos auxilia na caracterização e contextualização do “onde”, esta grande chave das ferramentas operacionaliza por este fazer profissional dos geógrafos.
Neste sentido, considero que para além de entender e conhecer o como, quanto, quem, quando, uma pergunta que estabelecemos com frequência é o “onde”. Afinal, é também pelo aspecto locacional que formamos comparações, descrição, análise e avaliação das diferentes exterioridades por nós percebidas, nas suas diferentes escalas espaciais. E neste ponto a categoria lugar se torna mais fantástica, pois está carregada de “estar”, de identidade, de afetividade, de bem permanecer.
Trazendo para a área do Patrimônio Cultural, o registro de bens culturais de natureza imaterial menciona a inscrição de um bem em um dos seus livros, quais sejam: Livro dos Saberes, das Celebrações, das Formas de Expressão e dos Lugares, como referência a continuidade histórica do bem e sua relevância para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira.
Destaca-se então a incorporação da categoria lugar como uma classificação de bens culturais, onde poderão ser inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas. Para tanto, diversas composições são possíveis, como um bairro, um conjunto de prédios, uma zona de mata, uma casa, uma cavidade natural, um campo de futebol.
Os lugares são espaços físicos imbuídos de significação cultural, acrescidos de valores, sentidos e sentimentos. Sua utilização requer uma compreensão da unidade que agrega os referenciais culturais em suas dimensões, como histórica e identitária. Desta forma, os lugares possuem sentido cultural diferenciado para a população local, onde são realizadas práticas e atividades de naturezas variadas, tanto cotidianas quanto excepcionais, tanto espontâneas quanto oficiais e tematizados em representações simbólicas e narrativas.
A categoria lugar se consolida como forma de compreender um referencial cultural específico e diz respeito a um recorte espacial dotado de significação cultural expressas no tempo presente por meio da relação que pessoas e grupos estabelecem com ele. Ou seja, nesta concepção de lugar estão implícitos os laços sociais que o conformam.
Um lugar como bem cultural considera as pessoas e os seus modos de vida. Além deste aspecto, o lugar está intimamente associado ao mundo dos valores, mesmo que imaginários e simbólicos, sendo um elemento constitutivo dos grupos sociais. "Guardamos os lugares em nossas lembranças e emoções, podemos identificá-los com afetos e experiências de vida, o que faz com que os lugares compareçam na formação complexa das personalidades humanas" (NÓR, 2013).
O conceito de lugar, para o patrimônio cultural, expressa uma clara identificação com grupos sociais definidos, contextualizando suas atividades. Os lugares são constituídos por diferentes atores sociais, tanto por aqueles que os criam e habitam, como por aqueles que os visitam, todos participando ativamente da construção de seu sentido.
Deste modo, a identidade dos lugares remete a dois aspectos importantes: está vinculada ao sujeito, às suas memórias, concepções, interpretações, às suas ideias e a seus afetos, sendo capaz de trazer sentimentos de segurança e bem-estar ao indivíduo; e, pode emanar do próprio lugar, que se manifesta como seu “espírito”, sendo possível reconhecê-lo e vivenciá-lo. Por outro lado, os elementos materiais que os compõem, as pedras e lajes, as barracas da feira, o artesanato e as construções edificadas ocupam papel central no valor atribuído a esses bens.
Por fim, essa é a dimensão múltipla que a categoria de Lugar procura abranger. Podendo ser compreendida como ferramenta estratégica de reconhecimento de um bem cultural imaterial, contemplada e inserida como instrumento de verificação e análise. Uma visão que agrega sentido e completude do bem no seu ambiente, já que "deslocado" do seu lugar perde o seu valor total. Ademais, não é a condição física stritu, mas o que este "onde" representa e significa para quem pratica, para a coletividade, para a política pública e instrumentos de preservação do patrimônio cultural imaterial brasileiro, mas para a sociedade e gerações futuras como um todo.
E agora onde é o seu “lugar” no mundo? Qual locais acionam a sua memória, identidade, referencias culturais? Lugares de afeto, de sentidos, de preenchimento da alma... conta pra gente!
Referência: NÓR, Soraya. O Lugar como Imaterialidade da Paisagem Cultural, 2013. Paisagem e Ambiente: Ensaios - n. 32 - São Paulo - p. 119 - 128 - 2013.
Marina Vilaça é mestre em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, especialista em Patrimônio Cultural na Contemporaneidade, bacharel e licenciada em Geografia e Meio Ambiente. Analista ambiental, com experiência em projetos socioambientais, patrimônio cultural e avaliação de impacto. Atualmente é responsável técnica na empresa Culturas Ambientais Consultoria. culturasambientais@gmail.com / @culturasambientais
Escreve sobre Meio Ambiente e Patrimônio Cultural
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