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Foto do escritorMarco Túlio

É preciso falar de cuidados paliativos

Imagem: shutterstock/Chinnapong

No meu passeio diário pelos sites de notícias, deparei-me hoje com uma reportagem do Estado de Minas que traz uma matéria sobre um senhor que teria vivido 127 anos. Esse senhor, José Paulino Gomes, teria batido o recorde da espanhola Maria Branyas Morera, que viveu até os 115 anos. Mas existem divergências relativas aos seus documentos, fato não raro de ocorrer no Brasil. No entanto, a família e pessoas da comunidade afirmam que certamente era centenário.


Dados dos censos demográficos brasileiros mostram que nossa população está envelhecendo, e o segmento que mais aumenta em proporção é o dos muito idosos, pessoas com mais de 85 anos. Uma das explicações para esse fenômeno são os avanços da medicina, que controlou as doenças da infância, principalmente infecciosas. O sucesso da Política Nacional de Imunização possibilitou o controle e mesmo a erradicação de doenças como poliomielite e meningite.


Assim, cada vez mais teremos entre nós pessoas como o Sr. José, que ultrapassam em muito os cem anos de idade. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o envelhecimento da população pode ser considerado a maior conquista da humanidade. Quando comparamos dados de longevidade ao longo da história, essa afirmação é reforçada. Dados de longevidade da Grécia antiga mostram que a média era de 30 anos; no Brasil do início do século XX, a expectativa de vida era a mesma.


Há que se comemorar, porém, como cuidar dos nossos centenários? Como acompanhá-los até o fim de suas jornadas, mantendo sua qualidade de vida e dignidade? Nosso Sistema Único de Saúde (SUS) está preparado para assistir de forma integral esse segmento populacional? Que, ao contrário dos jovens e crianças, possui principalmente doenças crônico-degenerativas. Muitas interrogações e poucas respostas até o momento.


O SUS está organizado para atenção às condições agudas e, para atenção a uma população com patologias do tipo crônico-degenerativo, precisa se reorganizar. Esse é um dos grandes desafios a serem enfrentados diante do crescente número de idosos em nossa população. A assistência à saúde no SUS ainda segue um modelo focado nas especialidades, onde cada profissional atua de forma individual. A multi, inter e transdisciplinaridade ainda são conceitos distantes da realidade assistencial.


Nesse contexto, falar em hospices e cuidados paliativos pode parecer utopia. Eduardo Galeano diz: “Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Precisamos caminhar! Cecily Saunders, a inglesa fundadora do movimento hospice, certamente precisou trilhar novos caminhos para que a sociedade entendesse as demandas e os aspectos éticos por trás dos cuidados a pacientes cujas doenças não respondem ao tratamento, ou cuja longevidade restringe tratamentos invasivos.


Diante de um cenário em que hospitais são cada vez mais equipados com aparelhos para manutenção da vida, a questão técnica/tecnológica assistencial precisa também assimilar o que Leonardo Boff chama de zelo. Precisaremos zelar por nossos pacientes, de forma a preservar sua qualidade de vida e dignidade. Procedimentos excessivamente invasivos, sem ganho em qualidade de vida, se justificam? Até quando intervir?


Cada vez mais, a equipe de cuidados de saúde terá que interagir com familiares, ouvindo seus anseios e expectativas quanto a seus entes queridos. Diante do quadro demográfico, urge mudanças no SUS e nos currículos das Instituições de Ensino Superior (IES), no sentido do desenvolvimento de competências dos profissionais de saúde para a assistência a uma população com perfil epidemiológico diferente do atual.


Conteúdos de cuidados paliativos e de bioética serão fundamentais para a formação do profissional de saúde diante de um cenário epidemiológico e demográfico bastante diferente do que tivemos até então. Para isso, os profissionais deverão dominar competências de diferentes disciplinas, tanto do ponto de vista técnico quanto comportamental.


Edgar Morin, em um texto sobre educação publicado recentemente, destaca a importância da arte na formação dos alunos. A literatura, o teatro e o cinema em muito poderão contribuir para a formação de profissionais com habilidades de atendimento a pacientes terminais, como diz Ferreira Gullar: “a arte existe porque a vida não basta”.


A sétima arte tem produzido obras que trazem reflexões importantes sobre o tema. Dentre essas obras cabe citar – O escafandro e a borboleta, Terra das sombras, O vazio do domingo, dentre inúmeras outras produções que promovem reflexões sobre o cuidado a pacientes terminais. E a arte complementando a formação profissional, mediante questionamentos éticos. Aos que cuidam de pacientes terminais, vale a pena assistir a esse e outros filmes.

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